ENCONTRO DAS ÁGUAS: PRECISAMOS FALAR SOBRE AFETIVIDADE |
Gênero, raça, sexualidade e religiosidade de matriz africana são temas tratados no documentário “Encontro das águas” | Foto: Estúdio Pose |
O sistema escravocrata
e as divisões raciais criaram condições muito difíceis para que os negros
nutrissem seu crescimento espiritual. Falo de condições difíceis, não
impossíveis. Mas precisamos reconhecer que a opressão e a exploração distorcem
nossa capacidade de amar. bell hooks
Há
temas que são urgentes, Libertem Rafael Braga, Diretas já, a reforma trabalhista.
Outros se constituem nas insurgências dos tecidos sociais ___ Encontro das Águas,
documentário produzido por Flávia dos Santos e Zaíra Pires, faz parte desse
segundo grupo, onde Iara Viana e Rosane Pires Viana, contam-nos sua história de
encontros, cumplicidade e AMOR.
Impossível
não pensar, que este é o momento. Como ambas na roda de conversa e apresentação
do documentário (Bar Aparelha Luzia, na cidade de São Paulo) negritaram__ “Precisamos
falar de Amor”, e não há momento mais oportuno para este tema, um momento em
que a violência e genocídio sobre a nossa população negra aumentou, em que um
racismo/sexismo se tornou a narrativa predominante. A celebração do Amor, é uma arma revolucionária,
isso nos recorda bell hooks em seu artigo Vivendo de Amor , Numa
sociedade onde prevalece a supremacia dos brancos, a vida dos negros é permeada
por questões políticas que explicam a interiorização do racismo e de um
sentimento de inferioridade. Esses sistemas de dominação são mais eficazes
quando alteram nossa habilidade de querer e amar.
É
certo, que não raras vezes temos dado e compartilhado violência, porque bem
sabemos de todos os traumas, dores, cicatrizes e enorme solidão que as chagas
raciais/sexistas tem nos causado, principalmente quando nos encontramos distantes
de espaços comunitários e de afetividade, pois ninguém pode amar, quando se é
gestado para odiar toda imagem recíproca a si.
Portanto,
se o racismo/sexismo habitam nossas entranhas ___Duas mulheres Pretas, felizes,
casando-se com a benção dos orixás. Uma família Preta, ousando a tônica do
embranquecimento, que nos faz desejar enlouquecidamente a brancura, não como um
simples matiz de cor, mas na possibilidade de existência e de vir a ser gente. Rosane Viana aponta, casamento homoafetivo oficializado legitima o processo de luta
desse grupo historicamente silenciado por estruturas heteronormativas.
É
preciso sim, falarmos sobre felicidade, Amor, afetividade, famílias negras
empoderadas, ao compreendermos que nos foi impossível fugir a lógicas raciais/sexistas
e que estas organizam parte de nossos sentimentos e querências, contudo
sempre há fissuras, de corpos que teimam não apenas em sobreviver, mas em
sorrir, compartilhar e Amar. Pois, nossa
luta é pelo direito de sermos felizes e como bem pontuou a mãe de Santo que fez
a cerimônia, o Candomblé é a religião da felicidade, cultuamos a felicidade o
tempo todo. Nessa diáspora atlântica conjugar nossas vidas em cosmovisões de
mundo, que afrontam as lógicas mercantis do deus cristão, nos tem possibilitado
reconfigurar laços e ritmos que nos reconectam com nossa ancestralidade
africana, ao mesmo tempo em que nos fortalece para um cotidiano que tem como
desejo nossa aniquilação.
Mas podemos nós, Pretxs que somos falar sobre
o prisma de tais substantivos? Iara Viana e Rosane Pires Viana nos dizem com sua
existência, que sim. É possível, extremamente necessário e insurgente.
Vem meu/minha pretx pra
cá,
Pros cafundó do meu
sertão....
na caatinga do meu
coração
(Assucena Assucena)
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