Cristiane Mare da Silva. NOTAS SOBRE A CULTURA TOTALITÁRIA. Arandu: Estudos de Crítica da Cultura Contemporânea, 09 de agosto de 2025.
Por Cristiane Mare da Silva*
Espero não ser mal interpretada, mas hoje, diante da escuridão em que vivemos, e ao vislumbrar tempos ainda mais difíceis, há dias que eu penso: prefiro lidar com os bolsominions, primitivos, grotescos, escandalosos, mas pelo menos com eles eu sei por onde ir, pois declaram o que pensam, sem tramelas na língua, utilizam-se de um vocabulário profundamente adequado a suas ações punitivistas, moralistas apoiados a ideia que representam o cidadão de bem.
Logo, temos uma segunda parcela da sociedade brasileira, que a partir dos manuais de etiqueta, aprenderam que há coisas que não se deve declarar no espaço público, pois não soam bem. São bonitos, se vestem bem, são portadores quase sempre de uma cultura erudita.De modo geral, silenciam, estão sempre em cima do muro e afirmam que política é suja. Portanto, não se metem com ela. Afirmam que todos temos direitos iguais, dentro desse escopo universalista liberal, na prática são: moralistas, punitivistas, racistas e sectarios.
Entretanto, temos ainda uma terceira parcela. Essa se diz portadora dos valores e letramento capazes de proporcionar uma transição entre esses conflitos culturais ou projetos políticos, baseado em um certo humanismo, valores democráticos, constitucionais, direitos humanos. Partilham de todas as vanguardas. Porém apenas para os amigos. Pois se você for um inimigo, portanto se for racializado, transforma-se no outro absoluto. O quê vale, então, são as políticas da inimizade: linchamento, a prisão sem provas, o punitivismo, o poste. Não há espaço para o diálogo e tampouco para a dúvida. Profundamente enredados em valores moralistas, bastião da cultura capitalista, não por acaso colonial, cristã e burguesa, podem, assim, destruir o outro, sem serem questionados. Afinal, estão ungidos por valores que estão acima do bem e do mal..
Como os demais grupos, banalizam o mal e o praticam sem limites. Em um e em outro não há espaço para a política, apenas para certezas, pois são escravos de suas paixões. Então, eu adoraria poder afirmar que existe o bolsonarista e esse outro (sujeito ético, antirracista, desconstruído). Mas, infelizmente, eu vejo como estamos todos enredados a esse Outro, presos as mesmas estruturas psiquicas e sociais. O que muda não é a prática, mas o vocabulário, um jogo semântico, que portanto altera a linguagem no campo simbólico, mas não na sua estrutura de pensamento, bases para uma transformação cultural e econômica. Tanto que se olharmos bem fundo no espelho, talvez nos asustariamos com aquilo que somos e não com nossas próprias projeções.
* Cristiane Mare da Silva é graduada em Letras Espanhol, mestre e doutora pela PUCSP, professora da rede pública estadual e editora do blog Arandu: Estudos de Crítica da Cultura Contemporânea.
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