Uma discussão iniciada o ano passado sobre o questionamento se seria Monteiro Lobato um escritor racista e que volta a causar polêmica com a capa e conteúdo da revista Bravo, despertaram me algumas inquietudes e ruminar. A mesma revista lançou uma enquete sobre o tema e as diversas respostas me indagaram e delas surgiram o breve texto.
Acredito que leitores da revista e do escritor Monteiro Lobato se perguntam, se na primeira metade do século XX poderíamos falar de racismo no Brasil, pois se não existe o conceito como tal, ou se era algo um tanto permissivo naquele país que então se configurava, não podemos afirmar que tal atitude agride a ética e tampouco seria uma atitude imoral, não podemos esquecer que o escritor referente faz parte das entranhas do cânone da literatura brasileira e alguns também o chamam de precursor da literatura infantil que tem obras como já sabemos imortalizadas na figura do livro O Sítio do Pica PAU Amarelo. O Jeca Tatu que também vira símbolo nacional, Urupês, ademais de suas famosas lutas a favor e do questionamento do petróleo brasileiro. Me pergunto se um escritor pode ser julgado ou ter uma obra revisada por algo que quiças desconheça ou por um público tão distante e alheio ao seu tempo.
Diante tais indagações fui dar com a história, parceira irresistível da literatura, o ser humano tem algo que é a curiosidade o desejo do plausível e do conhecimento, ademais não pretendo ser uma leitora injusta e incoerente com alguém que forjou e encheu de fantasia a tantos infantes. Pois se a pergunta chave é racismo, o primeiro a saber é quando de fato surge o conceito por todos tão conhecido, racismo segundo Houaiss é um conjunto de teorias e práticas que estabelecem uma hierarquia entre as raças, entre as etnias, sistema político fundado sobre o direito(de uma raça considerada pura superior) de dominar outras. Esse conceito é inerente a própria modernidade, pois inicia no século XVI com a literatura etnográfica e que terá em seu desenvolvimento a teoria das raças cujo desdobramento o conceito de racismo.
Ainda na perspectiva de imaginar esse contexto ao qual sua obra se insere, a eugenia no Brasil foi uma teoria bastante desenvolvida, não só no Brasil como em toda America Latina, me acordo de Sarmiento na Argentina em suas soluções para que fosse extinguido do país os indígenas e negros e para que fosse possível algo dos que nos lembra parte da cultura rioplatense hoje.Eles se organizavam em congressos para discutir o tema e o sangue maldito das “raças inferiores”, tendo como organizador Roquette Pinto foi possível o encontro dos arianistas em 1929, tal encontro seria chamado congresso Brasileiro de eugenia. Então sim, fazia parte do contexto histórico o estudo científico ditado como tal, que tinham em sua prática não apenas intelectuais como políticos entre seus seguidores, ideias ou flerte com conseqüências que são nossas velhas conhecidas a Ku Kux Klan que nasce nos Estados Unidos depois da guerra civil, que possibilitou a libertação dos escravos africanos, o holocausto, os apartheides, ademais de grande parte da desigualdade social vigente que se configura sem muitos esforços em uma desigualdade racial. Esse posicionamento ideológico igualmente tinha suas forças contrárias, já que se tratava de forças ou enfrentamento distinto para os mesmos conflitos Franz Boas que orienta intelectualmente parte dos estudiosos da história social que se configura no Brasil nesse mesmo período, considera e prova no decorrer de sua vida um atraso e repúdio a tais estudos eugenistas.
Desse modo recordei outro intelectual contemporâneo a Lobato, Gilberto Freire, em 1933 aparecem os primeiros artigos sobre o livro concluído no ano anterior Casa Grande e Senzala o mesmo organiza ao que se tem respeito o primeiro congresso de Estudos Afro Brasileiros e é preso em 1942, por ter denunciado um artigo publicado no Rio de Janeiro, sobre atividades nazistas e racistas no Brasil no prefácio do seu livro afirma: A formação patriarcal do Brasil explica-se, tanto nas suas virtudes como nos seus defeitos, menos em termos de "raça" e de "religião" do que em termos econômicos, de experiência de cultura e de organização da família, que foi aqui a unidade colonizadora. Economia e organização social que às vezes contrariaram não só a moral sexual católica como as tendências semitas do português aventureiro para a mercancia e o tráfico.
O autor tenta fazer um retrato do Brasil, uma fisionomia da família brasileira e da economia patriarcal, como fazê lo sem falar desse país multicultural.Portanto, me pergunto se buscamos uma literatura universal que seja capaz de atrair a leitores sem rosto, mas com culturas tão diversas indagar em qualquer espaço e contexto da qual faça parte e fazer sentido dentro desse universo em que se encontra o leitor ,será que pode uma literatura que menospreza uma etnia, a emburrece e igualmente a olha com desdém ser universal? Questiono se a universalidade nesse caso, restringe se a um escritor branco e racista escrevendo para iguais de qualquer tempo. Penso ainda nas crianças brancas lendo muitos desses livros sem um acompanhamento adequado, sem um contexto histórico e conceitual adequados quão mal e quais conseqüências poderia refletir se nelas, será que a insensibilidade de viver em um país forjado por desigualdades naturalizadas, por um racismo cotidiano e operante, que é revelado nesse maravilhoso mundo democrático da internet em suas enquetes e redes sociais.
Cristiane Mare da Silva
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