domingo, 15 de setembro de 2024

PRETINHO NORDESTINO

Estava eu nos últimos dias de atividades escolares. Os estudantes há essa altura já se encontravam de férias. Um dia lindo e para quem mora no litoral catarinense, dias lindos e abrasadores, significa deu praia, enquanto nós, os professores, estávamos fechando os temíveis conselhos de classe.

Na segunda, havia trabalhado manhã, tarde e noite, no dia seguinte o corpo todo doía e a enxaqueca era forte, estar com os colegas o dia todo soa como estar no estreito de Kerch, que liga o Mar Negro ao Mar de Azov, separando a Criméia da Rússia Continental. Os professores fazendo suas análises de conjuntura, o fulanito, a fulanita e o beltrano.

Eis que no meio de tantas turmas, apareceu uma estudante causando um certo furor entre professores, a discente era famosa, ficando conhecida como a Carminha da escola, Seu pobre, era seu jargão preferido,

Competindo com- Odeio vocês seus pobres, vamos lá para a banca de heteroidentificação, loira, e não se se enganem, o sul é a pátria dos brancos? Sim, de loiros nem sempre, depende muito da região e dos seus territórios. Então,  loira em uma sala de aula de escola pública de brancos encardidos, imigrantes, pretos. Ela a estudante  agia como se fosse a própria personificação da Raça Excepcional. Não bastava ser loira, que já é bastante coisa, seu pai tinha um 4 x 4, é pensando bem, ela não apenas tratava mal os colegas, como tentava uma vez e outra dizer aos professores quem mandava ali, caprichosa de seus quereres.

Todos, começaram a denegrir a estudante, por fim, uma professorinha diz, Como pode essa manceba toda errada, namorar um Pretinho Nordestino? Vá entender esse país.

Bastou, para que o ponto chave que era a manceba, deslocara-se, adivinhem a histeria, todos os antirracistas catarinenses fortemente desconstruídos, chamaram atenção para tal colocação. Seria correto chamar o estudante preto e nordestino de pretinho e nordestino?

 Mas qual foi o tom utilizado pela senhora? Pois é , pegou mal hein, sentenciou outra, vejamos suas reais intencionalidades. A pobre professora  só queria mesmo enfatizar que porra de país é esse.

Ouvi dizer que o cantor Tim Maia, ficou surpreso porque no Brasil, traficante é viciado, puta se apaixona e pobre é de direita, acrescentaria na lista e racista fica com preto.

Infelizmente esse último raciocínio não entrou na pauta, pensando bem, talvez poucos a entenderiam, e também nem sei porque a professorinha levantou essa questão no meio do conselho de classe. Afinal, nem estamos na semana da consciência negra, é quase natal e faz sol no litoral catarinense.

domingo, 1 de setembro de 2024

EXÍLIO

 Entre o exílio do não ser

A escuridão galopando em sua força total

Uma névoa profunda, infinita, triunfante

Talvez por um tempo,

Mas qual tempo,


Aquele que te trouxe até aqui

A moira implacável, sorridente, vencedora.

Se não podemos vencê-la, o que fazer


Aguardar no tempo

Nem a escuridão infinita ou a luz de um amanhecer

resistem ao tempo


Nossas cegueiras e  ideias mal quistas, tampouco

não se apresse, ele chega...

As ideias se perdem, 

os amigos, por quais labirintos os deixei escapar

Se alejaran de ti, no te recuerdas


Gritavam maldita, mal parida

Não há retorno, não se entristeça

É o fim 

Não, diria uma pausa

Um silêncio, um talvez

De vez em quando

É preciso perder-se de si

Para quem sabe encontrar-se


Nas reticências de um tempo qualquer

Nos versos de um poema

Na vida que segue 

Nas memórias sufocadas

Na verdade que um dia chega...


Montevideo, 2018

ALAS ROTAS

Ganas de volver

Volver hacía dónde

Si tus alas están rotas

Igual que una mariposa que al caer

Si queda sin rumbo

Embriagada por esta luz fuerte

Que le ciega los ojos


Y tus pies de hermosa mujer

Te cuento que los he olvidado

Quizás en algún pasillo

Ya no vuelvo a encontrarlos

Estes pies ya no son míos

Serán de algún gigante

Con gritos de orden


Pero y tu alma

Ella sigue, aunque destrozada

Ahogada por aquellas que me decían compañera


Si tus alas rotas

Siguen tus caminos

Caminos que ya no puede nombrarlos

Pues, en este instante

Ya no hay identidades fijas

Solo tú y una sombra

Dueña del tiempo, de tu tiempo

Y de la libertad


Montevideo, Mayo de 2018




sexta-feira, 9 de março de 2018

Olhos de Amílcar

De certo , era uma manhã como todas as outras. O que não era certo, era aquele vazio que sentia em alguma parte do corpo.
Já ia esquecendo, meu nome é  Amilcar, tenho sete anos e sou alto, tão alto que quando era pequeno, tinha medo de ser um gigante.
Dizia_ Mãe eu não quero ser um gigante, minha mãe ria de mim e as vezes me contava que eu nunca fui um bebezinho desses bem pequeninos, eu já nasci grande, 53 cm e 5 kilos. As pessoas olhavam pra mim e me diziam - Esse menino é gigante! Ficava pensando que cresceria tanto, tanto , que não ia mais entrar na minha casa, igual um filme que tinha visto com meus pais!!

Deveria ter levantado, tomado café e ter feito as tarefas da escola. Mas aquela dor não deixava e daqui a pouco, minha mãe iria me cobrar. Por mais que eu não quisesse que ela brigasse comigo, preferi ficar jogando no celular, lá no fundo da minha cama, com vontade de deixar de existir. Em pouco tempo, estava a minha mãe na porta blá,blá,blá.
A tarefa era sobre mudanças físicas que haviam ocorrido comigo, do meu nascimento até agora e me fez pensar. Seria muito legal mudar, ser diferente. Desejei com toda força ter olhos azuis e quanto mais pensava, mais inquieto e triste me sentia, não tinha forças pra fazer as tarefas, na bem da verdade aquela coisa ruim tava crescendo e não sabia como dizer. Sabe, naqueles dias em que a gente não tem palavras?
Será que acontece só  comigo? Já aconteceu alguma vez com você?

Mamãe percebendo, a minha tristeza ao invés de me colocar  de castigo, já havia ficado no cantinho do pensamento e não poderia ir pra casa do Miguel no fim de semana, foi uma péssima semana e eu só estava piorando as coisas, me chamou pra conversar no quarto, pensei deu ruim, mais mãe é mãe, como não tinha opção eu fui, bemmm de va ga ri nho para aumentar a distância entre nós.

Mamãe sempre me diz, que sou um menino muito inteligente e carinhoso,   aquele dia não conseguia ser nenhuma coisa nem outra, e o desejo dos olhos azuis crescendo.
- Vem aqui Amilcar- Já estou aqui mãe. - Não assim menino, senta aqui no colo da mamãe, contrariado sentei, afinal não sou mais uma criancinha - Diz pra mamãe o que está acontecendo,
-  nada mãe, não tá acontecendo nada. Ela continuou a fazer mil perguntas e cafuné. Acho que o cafuné faz a gente dizer coisas que depois nem sabe como saiu, de repente eu disse- Mãe, queria ter outros olhos! - Outros olhos Ami?
Tinha lágrimas lá dentro e ela perguntou - Quais olhos gostaria de ter?
Olhos azuis! Olhos que todo mundo vê e diz ohh que bonitos, qual é a cor dos meus olhos mãe?

- Seus olhos são lindos Amilcar, lindamente  escuros da cor dos nossos orisas. A gente tem a cor dos olhos daqueles que a gente ama, seus olhos são iguais da mamãe, do papai, da mana.
Castanho escuro.
- Aqui em casa, alguém tem olho azul?

- Olhos azuis a gente vê mais né mãe! Lembrei que na tv, nas imagens que a profa passa para colorir, nas roupas quando vamos comprar todes tem olhos azuis e minha mãe , perguntando sempre por nós. Na bem da verdade, só na minha casa tudo é diferente,  lá eu me vejo em todo lugar. Queria que o mundo, fosse mais parecido com a minha casa.
Mamãe suspirou - Deve ser porque nossos olhos, são mais raros, raros como pedras preciosas Amilcar
Mãe! Pedras preciosas que ninguém acha bonita.

Mamãe me disse que brancxs devem ter alguma deficiência naqueles olhos, talvez algum tipo de cegueira.Eles precisam se ver em todo lugar e não se cansam justamente por causa dessa doença...Então, me fez lembrar do Pantera Negra, do Chico Juba , um livro que tinha um menino igualzinho a mim e que era inventor (houve um tempo que eu queria ser o Chico Juba), do meu melhor amigo. E de como havíamos ficado tão felizes em vermos Wakanda no cinema, eu e minha irmã nos perguntávamos, Todo mundo é negro mesmo? Nossos olhos brilhavam. De porque me chamo Amilcar e não José.
 Então segurando as lágrimas para que eu não pudesse vê-las, mãe acha que sabe fingir - Filho! - Não podemos desejar ser aquilo que nos destrói.
Ela me abraçou bem forte, daquele jeito que as mães fazem quando querem dizer que amam a gente, mais que tudo, e vão curando qualquer dor .....

Olhou bem no fundo dos meus olhos e dessa vez não disse nada. Eu estava crescendo, havia um milhão de perguntas dentro do meu black power, mas sabia que a minha mãe tinha resposta, ou quase sempre tinha resposta pra tudo. De vez em quando pensaria naquela nossa conversa, no quanto era bom ter olhos que  permitem ver um mundo colorido e ria dessa estranha mania de brancxs e na tal cegueira daqueles olhos azuis. . . Quando crescer vou ser médico dos olhos e fico pensando, será que isso tem cura?



quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018


É como labirinto
Vida na quebrada
Morte na surdina
Quando sobrevive,
é tanta treta
Diz aí Doutor,
quem resiste?

Tic tac, o relógio faz tic
E o gatilho faz Tac
Tô na Roleta russa
A alma tá  um veneno

Queria esquecer
Deixar pra trás
Aquela grade fechando
A solidão
me apertando

Mas essa vida
 aqui em cima
mais parece uma furada
Tô aqui na quebrada
E essa carne Preta,
Quanto  custa?

Não custa...


quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018




Onde me vês
Sou miragem
Dor, resiliência

Onde me escutas,
Sou eco
Loucura

A loucura, que há em mim
Escorre entre minhas pernas, 
Desatina e recomeça

Não, não se atreva
Não me olhe, 
Seu olhar, me causa náuseas, calafrios
Nojo

Quanto a seus privilégios, 
Invisibilidade/Neutralidade, não sei
Pegue seu corpo, sua maldade
Suma, desapareça

A sua existência, 
Me mata aos pedacinhos
E diz que não vê?
Meu corpo, 
No chão, em desalinho


Minha mão,
Estendida, pedindo todo o resto
O teu resto

Me transformastes
Em lodo, ira, violência
E agora!
Agora, não me queres ver?
Sua maldade não te excita?

Como dormes, 
Sabendo que o animal
que vês em mim
É aquilo, que de mais profundo
Habita em ti...

Branco, 
Da cor da guerra, 
Da morte, da lama

Vai vendo, vai vendo
O futuro é Preta ! !
E teu racismo,
 não guenta.

quarta-feira, 19 de julho de 2017


                                                           Foto: Shica


A poesia transborda em imagens, sons e vida, 
os versos capturam o instante, que se pode chamar felicidade... 
E a imensidão da luz,

afugenta o medo do escuro, que é infinito em minha alma