A cultura dos
concursos de Miss e os 30 homens sobre nossos corpos
O concurso de
miss, diversas vezes atacados pelas mais diversas gerações de feministas,
continua a causar alegrias de entusiastas, comemorações e comentários entre os
mais diversos setores de nossa sociedade. Quiçá, tanto quanto o futebol, falar
e classificar os nossos corpos seja uma prática comum na sociedade brasileira,
em especial dos homens, agravada por nossa cultura da informação e da agilidade.
Hoje, o mais novo assunto das redes sociais, é a vitória de uma mulher negra,
no concurso de miss no estado de São Paulo_
Tal fato, me
despertou para algumas reflexões. Precisamos compreender, por exemplo, que não
venceremos a cultura do estupro, enquanto não enfrentarmos a cultura do
machismo e de sua naturalização. O desejo de mulheres negras, brancas e
indígenas a serem bem avaliadas por sua beleza, é sem dúvida um dos sintomas da
superioridade dos homens sobre nossos corpos, de uma cultura machista/racista, e
portanto, hierárquica, que possibilita a cultura da violência e do estupro.
Essa cultura
presentifica-se, na roda de meninos na esquina da escola, a avaliarem suas
colegas, nos bailes de debutantes, na escolha da mais bela rainha ou princesa
(já que não basta ser bela, é preciso pertencer a realeza), a mais bela da
festa da laranja, do pinhão e da paçoca. A lista de concursos seria infindável,
pois toda e qualquer festa ou reunião fica mais interessante quando da
exposição dos nossos corpos, para os ávidos de plantão e são inúmeros os
espaços, que apostam nesta assertiva, faz parte inclusive de pacotes turísticos
do país.
Nessa jogada,
algumas classificações e avaliações são bem quistas, outras aparentemente não,
algumas terão seus corpos bem classificados, ganharão coroas, faixas, se
tornarão acompanhantes em todo tipo
de festas. Infelizmente ou felizmente, outras, como a dep. Maria do Rosário,
não passarão pelo teste e como julgou o também dep. Jair Bolsonaro: “Só não te
estupro porque você não merece”.
Desse modo,
vamos naturalizando quem é merecedora, quem pode ser violada, estuprada, bem
avaliada, quem receberá a coroa e quem não terá a mesma sorte. O importante é
não quebrar a regra, independente do que pareça ou não legalizado, corpos de
mulheres podem e devem ser avaliados seja em um concurso de miss, ou após ser
torturado por mais de 30 homens, ou pelo Coronel Ustra, o que importa nesse
jogo? Seguir a regra. A barbárie em que vivemos condena ali, repercute o que
parece inaceitável, monstruoso, mais explora e reproduz os reflexos da cultura
da violência e da objetificação, que permite a aniquilação dos nossos corpos de
uma ou de outra maneira, seja na ideia obsessiva da beleza e juventude ou ainda
na hierarquia do que é a beleza, já que é importante lembrar que desde 1986
após Deise Nunes, não tivemos mulheres não brancas a ganharem o concurso
nacional.
Manas, quando
homens se unem para o estupro coletivo, antes assobiaram e avaliaram pernas,
bundas, coxas, em suas redes sociais, nas conversas com os amigos, assediaram
um pouquinho, mas a mina também estava a fim não é mesmo? Foram bem vistos por
compartilhar fotos e campanhas misóginas contra quem exerce o maior poder
executivo do país, antes observaram, talvez sem muito compreender, a retirada
da ed.de gênero nos planos de educação municipais e estaduais (retirado pelos setores conservadores e sexistas de nossa sociedade), o líder religioso diz que não é do bem, o prefeito se omite, a câmara de vereadores nos disseram_ tchau queridas. Que país é esse?
É o mesmo país que repercute o que chama de barbárie, porém elimina nossa
proteção e direitos, ao mesmo tempo que aplaudem de pé, com assobios e
compartilhamentos, como em tempos de copa do mundo, a mais nova miss São Paulo,
de fato, me parece que essa república da banana, se manifesta cotidianamente
entre pão, circo e alguma e outra tragédia. Perguntas necessárias em toda
relação de poder, é o quanto esta sociedade patriarcal/escravocrata está disposta a negociar, ou ainda, como em
nosso cotidiano permitimos e reproduzimos a cultura hegemônica da qual dizemos combater.
Cristiane Mare
da Silva
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